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Tradução para o português, de Sandra REY, da coleção de livros "O IMPENSADO NO PRESENTE" | "O IMPENSÁVEL, O POSSÍVEL E O PROVÁVEL"


Pr. Sandra REY










Pr. Sandra REY,

Université fédérale de Rio Grande do Sul- Brésil




Tradução francês-português: Sandra Rey


APRESENTAÇÃO


A apresentação da coleção de livros publicados na série Hypothesis "L'IMPENSÉ AU PRESENT" TRIALOGUE entre FRANCIS FUKUYAMA, ZINELABIDINE, SAMUEL HUNTINGTON e "L'IMPENSÉ, LE POSSIBLE ET LE PROBABLE" TRIALOGUE entre ANDRE MALRAUX, MOHAMED ZINELABIDINE, EDWARD SAïD nos oferece uma densa visão dos trabalhos recentes desse artista e intelectual plural. Mohamed Zinelabidine tem um rico histórico acadêmico, incluindo três doutorados: em história e ciência da música em Paris-Sorbonne (1995), em sociologia política e cultural em Paris-Descartes (1998) e em estética e geopolítica em Panthéon-Sorbonne (2004). Ele também obteve uma habilitação em estética e ciências da arte na Universidade de Paris-Vincennes (2001) e se tornou um acadêmico respeitado e ex-ministro de Assuntos Culturais da Tunísia (2016-2020), além de sua carreira como artista, compositor. Atualmente é diretor do Setor de Cultura e Comunicação da ICESCO. Sua carreira frutífera e diversificada concentrou-se no respeito às diferenças culturais, nos esforços para construir pontes entre o Oriente e o Ocidente, e na defesa intransigente da paz entre os povos.

O documento que se segue pode ser lido tanto como um catálogo raisonné de suas publicações recentes quanto como um manifesto de seu projeto intelectual central, que propõe repensar as relações culturais e civilizacionais.

A abordagem narrativa, alimentada por extratos de prefácios escritos por figuras acadêmicas eminentes, associadas a instituições acadêmicas de prestígio, consiste em destacar a riqueza e a diversidade dos assuntos articulados em torno do "Impensado", propondo uma forma de "intersubjetividade", pelo emprego de uma imaginação e criatividade que buscam promover um "ser plural", distante da barbárie e do extremismo, valorizando o "simbólico", o "emocional", o "imaginário" e o "afetivo".

Zinelabidine coloca a arte e a cultura no centro de seu projeto de transformação social e política. A esse respeito, Eliane Chiron enfatiza que, para ele, "cabe à arte humanizar a política e reconciliar, em vez de procurar aprofundar as diferenças e reacender o ressentimento" (p. 6). E, de fato, repensar as relações entre o Oriente e o Ocidente pelo prisma da arte, da cultura e da defesa de identidades plurais; engajar-se em advertências sobre os paradigmas dominantes, especialmente aqueles popularizados por figuras como Francis Fukuyama e Samuel Huntington, é altamente relevante diante das múltiplas ameaças que assombram o mundo contemporâneo. O esforço faz parte de um diálogo crucial sobre relações interculturais, sustentada pela crítica à hegemonia ocidental e pela proposta de redefinição de identidades na era da globalização.

Em última análise, penso seu trabalho como um tributo ao humanismo, à arte, à ciência, à literatura e à poesia, bem como ao espírito de "confluentia", a confluência dos mundos oriental e ocidental por meio das artes e das ciências.

Mohamed Zinelabidine nos convida a refletir continuamente sobre nossa identidade, nossa história e nossa capacidade de construir um mundo mais justo e harmonioso e, em suma, a síntese de seu trabalho polimorfo e visionário nos convida a uma exploração exigente, mas empolgante, das profundezas do espírito humano e das dinâmicas culturais, lembrando-nos incansavelmente do poder da arte e do pensamento para forjar um humanismo renovado, capaz de reconciliar heranças e inventar um futuro comum baseado na compreensão mútua e no respeito incondicional por cada individualidade.


CRÉDITOS

Autor: Mohamed Zinelabidine

Apresentação: Sandra Rey Tradução francês-português: Sandra Rey


Sandra Rey vive em Porto Alegre, Brasil.

Artista visual, doutora em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Paris I, Panthéon Sorbonne. Professora convidada do Programa de Doutorado em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Titular da Cátedra ICESCO-UFRGS «Arte e Natureza, Processos Híbridos». Membro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte) e da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte).

Ancorada nas relações entre arte, natureza e cultura, a produção artística de Sandra Rey abrange diversas tecnologias e suportes, produzindo obras de grande formato, desenhos, vídeos, instalações e livros de artista, além da dimensão performática da escrita, baseada na análise crítica do processo criativo pessoal e de outros artistas, explorando as estruturas históricas e ideológicas da contemporaneidade. Desde 2004, desenvolve a sua investigação artística como investigadora no CNPq, no Brasil (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).




« O IMPENSADO NO PRESENTE »


_ Mohamed ZINELABIDINE



Os últimos anos foram fecundos para a produção científica de Mohamed ZINELABIDINE. Depois de deixar o seu cargo de Ministro dos Assuntos Culturais da República da Tunísia 2016-2020, começou por publicar uma coleção de sete livros, "Trilogue Francis FUKUYAMA, Mohamed ZINELABIDINE e Samuel HUNTINGTON", ed. Sotumédias, 2000-2022, em que o autor faz uma retrospectiva de trinta anos de vida intelectual, académica, artística e política. Em seguida, publicou "Correspondances André MALRAUX/ Mohamed ZINELABIDINE", editado pela Sotumédias, 2023, um tratado sobre políticas culturais comparadas. O seu nono livro intitula-se “La Tunisianité au pluriversel”, publicado pela Sotumédias, abril de 2024, e o décimo é "Correspondances Edward SAÏD et Mohamed ZINELABIDINE", publicado pela Sotumédias, abril de 2025.


Coletânea de textos, conferências e performances, nomeadamente na Sorbonne, Paris Vincennes, Institut du Monde Arabe em Paris, Haus der Kuturen del Welt em Berlim, York University (Toronto, Canadá), Duke University (Carolina do Norte, EUA), Universidade de Georgetown (Washington - EUA), Universidade de Taipei (Taiwan), e outras universidades e organismos culturais na Itália, Malta, Rússia, Suíça, Alemanha, Bélgica, Coreia do Sul, China, Egito, Jordânia, Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Senegal, Costa do Marfim, etc. Os prefácios destas obras foram escritos por intelectuais eminentes, entre os quais Françoise BRUNEL, Fathi TRIKI, Eliane CHIRON, François DE BERNARD, Benjamin BROU, Sanae GHOUATI, Gérard PELE, Abderrahman TENKOUL, Bouaza BENACHIR e Edith LECOURT. Nessas intervenções, ele desenvolve percursos anacrónicos, desde 1992, e defende posições sobre o que considera ser “O impensado” em abordagens sociológicas, políticas, filosóficas e poiéticas. Um "Trivium", ligando o "Impensado", a "Hipótese" e a "Epístola", como pontes, alavancas de investigação e criação em torno do conhecimento e das artes entre o Oriente e o Ocidente. (Im)pensador e artista, ZINELABIDINE utiliza a sua imaginação e criatividade para ir ao encontro das "culturas" nas quais se inspira, para acreditar no sonho comum de um “Ser plural”, longe da barbárie, do extremismo e do obscurantismo onde quer que esteja. É isto que ele tenta combater, através da prevalência do "simbólico", do “emocional”, do “imaginário” e do “afetivo”. Deste modo, responderá às teses do fim do homem, do fim da história e do choque das civilizações por uma forma de intersubjetividade e o espírito aberto ao “impensado”. Pondo de lado parênteses e hipóteses (hipótese em latim emprestado do grego hupothesis) para verificar a ligação emocional com a comunicação estética, como um lugar de transversalidade e recorrência entre oposição e deslizamento cultural. Este “impensado”, ou pura impressão, imperceptível e impensável, sem ser absurdo, como momento da percepção, segundo Maurice Merleau-Ponty. Uma certa maneira de o “impensador” que é ser confrontado, de se deparar com o inadmissível, o impensável, segundo André Gide. Uma outra maneira de se cruzar com Santiago Espinosa, entre o impensável, o ser e o parecer, para integrar o irracional e o não-filosófico em favor de um outro tipo de “raciocínio”, este percurso levou o autor a várias universidades da Sorbonne (Université Sorbonne Paris IV, Université Paris Descartes- Sorbonne Paris V, Université Paris I- Panthéon Sorbonne e Université Paris Vincennes), onde realizou as suas investigações de doutoramento e pós-doutoramento. Alimentado pela palavra, pelo selo da pluralidade, da diversidade e da multidisciplinaridade, fazendo falar, corresponder e convergir o mundo oriental e o mundo ocidental. Ele não compreende a reação, ou mesmo a atitude, de certos intelectuais ocidentais em relação à sua cultura de origem e àquilo de qual a acusam. A “Coleção Hypothèsis”, composta de obras sobre “O Impensado”, pretende ser um argumento a favor de um humanismo compartilhado. A globalização, a homogeneização, a modelação e o merchandising ultrajantes mancharam o mundo com todas as formas de interesses, minando o dever dos Estados e das multinacionais que lhes estão associadas. Não se trata aqui de rejeitar a globalização na sua totalidade. Pelo contrário, desenvolver argumentos para fazer uma leitura relativa da mesma, revelando um sentido de fazer e construir o seu próprio compromisso com um "Ser-juntos" humanista menos opressivo, menos hegemónico, mais compreensivo, menos explicativo e mais solidário com as mulheres e os homens de um mundo hoje atordoado, porque cada vez mais incerto. Ele faz do “conhecimento” e das “artes humanistas” os motores de um compromisso inabalável com a mudança. “A Fundação LE MANDEL'ART” e Les “Salons de la Sorbonne”, iniciados por Mohamed ZINELABIDINE em 2012, fazem parte desta ambição compartilhada com académicos, artistas e investigadores que ardem com o mesmo fogo. Eles dão os seus testemunhos aqui, nestes estratos de prefácios escritos para a “Coleção Hypothesis” e a sua revista sobre “L'Impensé”.


No prefácio de "L'Impensé politique", Eliane CHIRON, Professora Emérita e Diretora do Centro de Pesquisas em Artes Visuais da Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne, escreveu: “Não é excepcional que Mohamed ZINELABIDINE, recentemente nomeado Ministro dos Assuntos Culturais da Tunísia, elogiado pela UNESCO pelas suas realizações, e artista, compositor, doutor em musicologia e doutor em sociologia, se interrogue sobre ‘L'Impensé Politique’. Pode parecer desconcertante. Sem tréguas e complacência com a dimensão de sua obra, ele ainda é incansável em suas interrogações. Simultaneamente, a reflexão distancia-se da ação política, separando sem rutura o elo entre o sopro meditativo de um artista e a ação concreta de um ministro... Mohamed ZINELABIDINE, artista-investigador, não pode contentar-se com esta lacuna, preenchida por Huntington que ergue a bandeira do "choque de civilizações”. Daí a urgência, de seu ponto de vista, em “tentar compreender a dimensão plural do social, privilegiando teses comuns ao imaginário, à emoção, aos afetos, ao sensível, e isto para além do pensamento convencional e das ciências categóricas”. Porque “cabe à arte humanizar a política e reconciliar, em vez de procurar desenterrar diferenças e reavivar ressentimentos”.


Para introduzir "L'Impensé sociologique", Françoise Brunel, historiadora das revoluções e Vice-Presidente da Universidade de Paris 1-Panthéon Sorbonne, escreveu: “Seguindo as pegadas da fenomenologia de Merleau-Ponty, mencionada no Prelúdio, o Professor Mohamed ZINELABIDINE, artista e pesquisador, mediador académico e cultural, e figura cultural proeminente no alto cargo de Ministro da Cultura da República da Tunísia, pretende romper com os modelos por vezes rígidos que ameaçam os sociólogos, antropólogos e historiadores, escolhendo os Signos com tantas possibilidades. No entanto, o autor ‘do impensável’ se refere ao racionalismo do "Iluminismo" desde o subtítulo ‘De l'esprit du droit’ e, através de Montesquieu, que ignorou Ibn Khaldun, redescobre o espírito enciclopédico que se disse ser uma das tochas do ‘Iluminismo’ do Islam: As leis, diz Montesquieu, ‘no sentido mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas’ (De l'Esprit des lois, I, 1). Se as nove Epístolas desta obra dedicada à ‘reforma do estatuto da mulher na Tunísia no século XX’ são dirigidas à sociedade tunisiana, não podem deixar indiferentes outras sociedades mediterrânicas, tão próximas, mas também tão distantes, apesar da influência de um longo passado comum, devido às suas estruturas socioculturais.”


O filósofo Fathi TRIKI, titular da Cátedra UNESCO de Filosofia para o Mundo Árabe, procurou contextualizar "L'Imbroglio des cultures" nos seguintes termos: Para saudar a pertinência do livro de Mohamed Zinelabidine, ‘Imbroglio culturel et malentendu historique’, e à guisa de prefácio, gostaria de contribuir para esta bela reflexão sobre o mal-entendido da "transferência" das artes e das letras para o Ocidente através do canal da civilização árabe, que certos intelectuais e historiadores ocidentais tentam em vão negar. De facto, esta questão diz respeito a todas as áreas da inteligência, razão pela qual Mohamed Zinelabidine afirma que o seu projeto é, em última análise, “repensar a literatura e as artes através do ‘Impensável filosófico’ e teórico, a fim de abordar o legado greco-árabe e o impacto que teve na história.” “Por ‘impensável’, ele entende uma certa intuição forte para suplantar a identidade fixa por esta categoria mais dinâmica, propícia à mudança, à adaptação e à criação.” A minha contribuição para esta excelente análise, para esta 'hermenêutica' difícil e nem sempre conclusiva, uma vez que a problemática permanece em aberto, consiste em lançar luz sobre três pontos nodais: o primeiro e mais importante destaca a introdução deste impensável filosófico no Ocidente; o segundo propõe uma forma de definir a noção de Ocidente; e o terceiro diz respeito ao conceito de interculturalidade”.


O Professor François de Bernard, escritor e filósofo, Presidente do GERM (Groupe d'Etudes et de Recherche sur les Mondialisations), escreveu neste extrato do prefácio de "L'Impensé poïétique": “Um desafio formidável, aquele que Mohamed ZINELABIDINE nos dirige com seu ‘Impensado poiético’!”. Pensar, apesar de tudo (disputas filosóficas, controvérsias históricas, contradições políticas, paradigmas académicos, barreiras econômicas e disciplinares): o impensado da relação com a obra de arte, o seu ponto cego. Uma luz ofuscante que ameaça abolir toda diferença, apagar toda diversidade e, particularmente, esta diversidade cultural que, recentemente, depois de um túnel interminável, se tornou um esquecimento culpável, uma redução patética, uma marginalização emblemática. O objetivo novamente amplamente partilhado pela comunidade internacional, o vetor assumido de uma Paz duradoura, eminente ao ponto de ser solenemente reafirmado como o tema irrefutável de um direito humano inalienável. Desafio formidável, igualmente, associar a questão do Destino ao da poiética, numa altura em que as mais confusas palavras de ordem administrativas e políticas nos incitam cada vez mais a centrarmo-nos exclusivamente nas práticas culturais, na sua difusão e na sua “acessibilidade”, em detrimento de qualquer reflexão sobre o sentido, o futuro ou mesmo o próprio destino dessas práticas! O novo Janus bifrons[1] pode então afirmar com convicção e clareza: “O artista-pensador parece-me, na realidade, ser um ‘impensador’ que dá sentido e não sentido ao vazio, ao silêncio, à solidão, à projeção e à expectativa que tenta reposicionar e cujos paradigmas e elementos consegue reconfigurar para fazer da ausência uma presença na metalinguagem”.


A Professora Sanae GHOUATI, Presidente da Coordination des Chercheurs sur les Littératures Maghrébines et Comparées (Coordenação dos Investigadores sobre as Literaturas Magrebinas e Comparadas), da Universidade Ibn Tofayl, expõe neste excerto do prefácio do livro "Socialité et Zeitgeist, la fin d'une épistémè" (Socialidade e Zeitgeist, o fim de uma episteme): “Mohamed ZINELABIDINE reexamina os grandes conceitos da nossa modernidade, captando os seus pontos cegos e desvendando as suas zonas obscuras. É uma reflexão epistemológica sobre questões relacionadas com a passagem da sociologia para a socialidade, da modernidade para a pós-modernidade; com o fim de uma era, com a mudança na percepção do significado da história e com a entrada num novo anarquismo onde é difícil nomear as coisas, onde a linguagem se desintegra e se torna opaca porque as coisas que costumava nomear praticamente já não existem.  Como diz o ditado, ‘dar um nome errado às coisas é aumentar a desgraça do mundo’. A ausência de sentido marca o tremor da palavra que faz vibrar a instituição simbólica, colocando-a em profunda ressonância com a experiência vivida. Não foi Jean Baudrillard que previu a liquidação de todos os quadros de referência no seu livro de grande atualidade Simulacros e Simulações? O progresso irracional e desmedido da inteligência artificial, em todas as suas formas, deslocou o real a favor de um mundo virtual onde uma sociedade imaginada substitui a sociedade real, muitas vezes demasiado sombria por ser demasiado realista... Perante estes desaparecimentos e a degeneração de um sistema estéril, Mohamed ZINELABIDINE estetiza, no entanto, um momento que permanece humano; enquanto houver olhos para o alimentar, palavras para sacudir e uma imaginação para reinventar o universo infinito: a arte e a cultura continuam a ser a única forma de sobrevivência e de sociabilidade atenta às possíveis inovações vindas de outros lugares. Quanto ao resto, ele apela a um modo de pensar que esteja longe da presunção estabelecida e do pensamento moderno pronto a usar - em suma, um modo de pensar capaz de gerar o ‘impensado’ e melhorar a vida humana numa sociedade que ainda não está corrompida... Eu diria que Mohamed ZINELABIDINE, o pesquisador, o académico de renome, o 'savant' em termos weberianos, sociólogo, professor, musicólogo, músico, pintor... é tão relevante, luminoso e iluminador, límpido e radiante como o político, ministro e homem de ação e gestão que é!”


Benjamin BROU, professor na Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne, escreveu o seguinte no seu prefácio à obra "Thébaïde": “A obra Thébaïde é sobre a viagem, a itinerância e a correspondência das ideias, das letras e das artes, no impensado do vivido e do criativo. Thébaïde é uma viagem dos sentidos, das artes e dos saberes através da itinerância das nossas vidas, tão curtas, tão reais, tão plenas. É uma oportunidade para refletir sobre o ser, as suas passagens, o seu lugar e o seu estado de espírito como dispositivo criativo. Thébaïde fornece pontos de ancoragem e referências para o pensamento intelectual e poético africano. Destaca os momentos-chave da presença africana na criação literária e na apropriação da sua história. Não se trata, neste livro, de textos ou de pensamentos reunidos. Esta obra de Thébaïde é um pensamento complexo que não pode ser reduzido a uma ciência ou a uma filosofia; articula-se num pensamento que permite intercomunicações, operando loops auto-produtivos no sentido de Edgar Morin. Longe de ser um παράπονο, o Thebaid de Mohamed ZINELABIDINE é simultaneamente uma elegia e um canto de esperança para África. É o grito de esperança das artes e da cultura para África a partir do seu Septentrião”.


Em "Coruscation de Goethe", livro de síntese dos seus vários escritos anteriores, Gérard PELE, Professor Emérito da Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne, afirma: “Ao resumir os seus trabalhos sobre o seu ‘trílogo’ com Francis FUKUYAMA e Samuel HUNTINGTON, Mohamed ZINELABIDINE oferece-nos uma obra intitulada ‘L'Impensé au présent’ (O impensado no presente). Note-se, desde já, que ele não pretende entregar o impensado ‘do’ presente como se fosse o detentor da verdade, mas que se limita a oferecer-nos uma leitura baseada na sua experiência, desde os seus estudos universitários até às suas atuais responsabilidades na ICESCO, incluindo a docência, a direção de universidades e o cargo de Ministro dos Assuntos Culturais da Tunísia. E esta experiência é marcada por uma ‘centelha luminosa’, fugaz, mas constantemente renovada, constituída pela incandescência do seu pensamento em contacto com as culturas dos diferentes países com os quais colaborou em numerosas ocasiões. Em segundo lugar, foi este contacto com diferentes culturas que o levou a examinar as teses de Francis Fukuyama e Samuel Huntington, cuja aparente oposição não nos deve iludir quanto à sua profunda concordância quanto à suposta perfeição da ‘democracia liberal’ na sua versão ocidental. De facto, tanto Francis Fukuyama como Samuel Huntington apoiaram as aventuras bélicas das suas nações e, por isso, cada um à sua maneira, imaginou a utopia de uma ‘paz universal’ que seria o resultado...”.



 

« O IMPENSÁVEL, O POSSÍVEL E O PROVÁVEL »


_ Mohamed ZINELABIDINE

 


Este será o seu oitavo livro e, para apresentar “Correspondances André Malraux/ Mohamed ZINELABIDINE”, o Professor Abderrahman TENKOUL, eminente académico marroquino e Presidente das Universidades, escreve: “Ao ler as obras de Mohamed ZINELABIDINE, não podemos deixar de acreditar que ele se afirma incontestavelmente como um dos mais importantes pensadores do nosso tempo. Há vários anos que se empenha apaixonadamente num projeto de releitura em profundidade, procurando os aspectos não ditos do pensamento ocidental, os seus impensáveis, as suas aporias e as suas contradições. O projeto é inovador e de grande alcance. Vai mesmo mais longe do que propuseram alguns intelectuais árabes de renome mundial, como Mohamed Arkoun, Abdelkébir Khatibi, Edward Saïd e Abdelwahab Meddeb. Por um lado, pretende evidenciar os limites de um certo número de correntes de ideias e epistemes consideradas (à luz de certas figuras totémicas que as encarnam) indispensáveis para abordar as realidades do nosso tempo. Por outro lado, ele propõe-se abrir caminho a um outro tipo de pensamento - um pensamento que olha para o futuro e para os seus vislumbres de esperança. Fá-lo com rigor, erudição e um sentido crítico pungente, rejeitando qualquer fidelidade a qualquer doutrina ou doxa. Em vez disso, centra-se na procura de uma sinergia frutuosa entre filosofia, arte, imaginação, pensamento e cultura. Talvez sem se dar conta, a sua obra parece-nos estar a iniciar uma mudança sem precedentes nos mecanismos cognitivos e heurísticos das ciências humanas e sociais. Devemos-lhe certamente, graças a este alargamento dos paradigmas de análise do conhecimento, uma percepção mais clara das questões que se colocam à humanidade no século XXI. Mas também nos oferece uma compreensão mais sutil e pertinente das nossas responsabilidades e das iniciativas que devemos tomar para estabelecer novos valores susceptíveis de gerar uma série de contributos enriquecedores para os homens, as mulheres e as sociedades em geral e a sua relação com o mundo.” A obra “Correspondances André MALRAUX/ Mohamed ZINELABIDINE” aborda a questão da cultura e da política cultural, com o objetivo de interpretar as formas de subjetivação e de concretização humana e social, verificáveis no terreno em termos de realidades e de realizações. A cultura é vivida, mas pouco pensada, apesar de fortemente representada, o que levanta um conjunto de questões sobre a sua essencialidade, modalidade e recorrência, sobre os significados a dar e as atribuições a fazer. O objetivo deste livro é, pois, tomar o coração valorativo de “O Estado da Cultura e a Cultura do Estado”, as justificativas de uma decisão, os motivos de uma ação, para suscitar uma certa consciência dos jogos e das questões referidas, na dupla dimensão holística e inclusiva, sem dúvida, mas também a partir dos significados teóricos e conceptuais do fato cultural, das dimensões intelectual, ideal, humana e política comparadas. O objetivo do projeto é tentar conciliar o erudito com o prático, e mesmo com o analítico.


Então, por que André Malraux? Porque “Correspondências sobre a cultura”? Quais as prerrogativas? Que argumento? Quais são as nossas missões? Quais são as razões para tal? Quais são as implicações? Quais as ações? Que tipo de “Estado de Cultura”? Que tipo de ‘cultura de Estado’?

– Quais são as diferenças entre um homem de visão e um homem de um homem de ação?”


Nas palavras do autor:

Não me alongarei aqui sobre a escolha de André Malraux, autor de “La Voie Royale” em 1930 e vencedor do célebre “Prix Goncourt” em 1933, para “La Condition humaine”, o incrível itinerário deste intelectual cujas ideias e teses estão explicitadas no “Musée imaginaire” e “Les Voix du silence”, em 1951. Antes disso, tinha passado muito tempo como gestor científico e diretor literário de Simon Kra, em 1920. Amigo de Jean Cocteau e Paul Morand, entre outros, e diretor artístico das “Editions du Sagittaire”, Malraux publicou as obras de Charles Baudelaire, o grande poeta simbolista e autor de “Les Fleurs du mal”, e foi diretor de edições das obras de François Mauriac e André Gide, autor de “La tentation de l'Occident” que escreveu para Grasset em 1926. É um homem das letras e das artes que esteve muito tempo em contacto estreito com os criadores, na sua qualidade de diretor artístico da Gallimard, responsável pela edição e pelas exposições de arte extremo-oriental e contemporânea... Na criação do Ministério francês dos Assuntos Culturais André Malraux esteve na origem de uma redefinição da cultura e da política cultural francesas, interpelando-nos, à sua maneira, marcar um território simbólico dos campos do possível. A minha conferência terá uma abordagem comparativa e, por conseguinte, cruzará inevitavelmente teorias e práticas culturais no mundo das ideias e das realidades. Num plano mais contextual, este trabalho inscreve-se também no “Curso de políticas culturais e estratégias de desenvolvimento” que tive o imenso prazer de lecionar na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Tunísia (9 de abril), para os alunos do “Mestrado em Ciências do Património”, de 2006 a 2016, com os professores Radhi DAGHFOUS, Abdelhamid FNINA, Hassen Annabi e Khemais Taamallah. Esta Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Tunísia (9 de abril) não pode deixar de se orgulhar de ser uma das mais prestigiadas na sua categoria científica no mundo árabe e africano. Fundada em 1958, é a herdeira da “École des Hautes Études” de 1945, e ilustres professores tunisianos continuam a juntar-se à sua glória, como Frantz FANON, pensador da Martinica e um dos fundadores do movimento do pensamento terceiro-mundista e anti-colonialista, que aí leccionou de 1959 a 1960, enquanto Michel FOUCAULT aí leccionou de 1966 a 1968, e foi em Sidi Bou Said que escreveu a sua famosa obra “L'archéologie du savoir”. Segundo o autor, esta obra exige uma leitura e uma interpretação necessárias às mudanças e transformações ocorridas desde então, tendo eu próprio, desde 1986, estado em contacto estreito com o pensamento, a literatura e as artes, tal como representadas pela cultura do meu país e de outras partes do mundo. É isso que será aqui discutido em diferentes níveis de ação e apropriação. Não sem omitir alguns elementos de referência à área cultural subsequente, no sentido do conceito em antropologia cultural, referência feita à região geográfica e à sequência temporal, ficando estabelecido que o rigor da história exige que não nos furtemos a nenhum dos elementos constituintes e constitutivos de uma episteme cujas realidades e realizações estamos a questionar.


Por tudo isto, não tenho a pretensão de que este trabalho se torne um argumento histórico, mas pretendo trazer-lhe as minhas próprias reflexões e experiências dignas de interesse, no cruzamento de paradigmas nacionais, sociais e políticos bastante anacrónicos. É isso que a torna tão aguda. Só uma abordagem comparativa das políticas culturais, tanto públicas como privadas, permitirá uma visão mais clara das questões em jogo. Para o efeito, há que colocar algumas questões:

– Qual é o papel do Estado, por exemplo, no apoio à expressão artística nacional e regional?

– Qual é o compromisso do Estado para com as instituições culturais e o património?

– Que recursos devem ser disponibilizados para que condições de produção?

– O que é que se pode fazer para garantir que as artes ressoam, e até têm um impacto verificado, no ambiente social?

– Como podemos abordar as questões da geografia cultural e as suas especificidades regionais?

– A que história cultural e diversidade antropológica podemos recorrer?

– Que métodos de criação, em que condições humanas, materiais e logísticas?


É evidente que estamos a levantar aqui um problema de fiabilidade dos dados e das estatísticas culturais, que são muitas vezes inexistentes ou insuficientes. Falta-nos claramente se pretendemos medir, através de indicadores:

­– A proporção da população que é escolarizada, educada e introduzida nas artes. Ele se aplica à universidade:

– Participação do Estado na formação e na empregabilidade;

– A responsabilidade do Estado de assegurar que os conhecimentos adquiridos e as competências exigidas estejam amplamente disponíveis;

– Qual é a relação entre as competências de empregabilidade e as ofertas efetivas de emprego, que estão frequentemente dissociadas?

– Que papel devem desempenhar as instituições culturais fora do Ministério da Cultura?

– O papel desempenhado pelas autoridades locais, incluindo as comunas, os departamentos e as regiões;

– A percentagem de patrocínio e mecenato nas atividades culturais nacionais e regionais;

– Um inventário dos operadores privados envolvidos no sector;

– Inventário das associações e organizações da sociedade civil envolvidas neste sector;

– O inventário dos meios de comunicação e os indicadores relativos às indústrias culturais, à economia cultural digital, à economia cultural solidária e social, às artes e ofícios, ao design gráfico, ao lazer...?


Ao tentar repensar os novos papéis da cultura, afastamo-nos de defini-la como uma carta de intenções genérica, ou de reivindicar uma abordagem confusa ou difusa. Em vez disso, a nossa ambição é verificar, através de ideias, conceitos e estratégias, para além dos números e indicadores de um exercício assumido.”


E para apresentar esse novo livro "La Tunisianité au pluriversel", Françoise Brunel, historiadora e vice-presidente da Universidade de Paris I-Panthéon-Sorbonne, escreveu: "Enquanto artista e intelectual, Mohamed Zinelabidine não se furta a áreas de reflexão complexas, nem tem medo de atuar em nome de uma Res Publica cujos valores humanistas defende ao mais alto nível". O filósofo Fathi Triki, titular da Cátedra UNESCO de Filosofia, acrescentou: "Ao longo deste livro, Mohamed Zinelabidine reflete sobre a identidade do tunisiano. Denuncia com veemência a reação que procurou reduzir esta identidade a uma expressão única e fixista. Para ele, a identidade tunisiana é esta vontade de transcender... ." É evidente que Mohamed Zinelabidine tomou uma posição firme nos últimos anos e empenhou-se intelectualmente em todo o mundo para defender uma nova compreensão da cultura, no centro de uma hermenêutica capaz de repensar o mundo. Uma delas é uma "tunisianidade no plural", por oposição ao universalismo abstrato do Ocidente, que se centra e discrimina a cultura, a origem e o género para criar divisões e opor o Oriente ao Ocidente. A “Tunisianidade no plural” resume, para ele, a síntese de um mundo não muito semelhante, mas tão complementar, porque em constante evolução. O autor atribui assim aos investigadores, intelectuais e artistas tunisianos uma grande responsabilidade na construção de um mundo mais aberto à assimilação recíproca, sem hierarquia de valores nem exclusão. Basta (re)ler a história e apreendê-la em ato. Ele recorre a "O Ser e Tempo" de Martin Heidegger, que já colocava a questão da presença no mundo. Um mundo que tem significado suficiente para que o Homem faça dele a sua própria determinação, projeção e aspiração. Ele evoca em cheio o sentido dessa sentença: "Torna-te o que és! Assim falava Nietzsche". Mohamed Zinelabidine terá retomado esta conjunção do poeta lírico grego Píndaro, dirigindo-se a Hierão, e confrontado com o imperativo socrático "conhece-te a ti mesmo", mas não sem omitir "o que somos" e "quem somos", segundo Hannah Arendt. Mas quando se faz referência ao particularismo e à singularidade, as trajetórias históricas e geográficas darão sentido, razão e originalidade ao próprio espírito. Uma tunisianidade que pretende ser não redutível, não simplista, não fixista, em fase com uma história combinada, ou mesmo recomposta, entre o Oriente e o Ocidente. O que emerge é uma identidade tunisiana que não está circunscrita, que está constantemente em movimento, sempre regenerada pela força da imaginação criativa. Em oposição ao termo "mesmice" termo de Paul Ricœur, regressa a uma Tunisianidade dinâmica e plural, feita de "convergências" e "ipseidade". Infelizmente, quando se trata de representar outras culturas que não a sua, o Ocidente tende a invocar as menos representativas, num contexto de clichés incômodos. Os pretextos para tal são as suas sucessivas colonizações, todas as formas de conservadorismo religioso e identitário, muitas vezes com resgate visando o separatismo e à descivilização. Longe disso, Mohamed Zinelabidine denuncia tanto este eufemismo como a visão redutora que exerceu. Defende o espírito histórico que é capaz de se opor à subordinação cultural, mas ao mesmo tempo defende o imperativo para os intelectuais tunisianos se curvarem e fazerem ouvir, audível e inteligível uma tunisianidade mais aberta e desinibida.

Para  Bouazza Benachir, Doutor de Estado em Letras e Ciências Humanas na Universidade de Paris-1-Panthéon-Sorbonne: “A leitura deste opus areal do escritor e pensador tunisiano Mohamed Zinelabidine pressupõe, através do seu Ante-scriptum, dos seus sete Epitres e do seu Post-scriptum, o desmantelamento da manta de chumbo que paira sobre as ciências humanas e sociais, e de fazer incursões nos preconceitos que este manto veicula, para aceder à presença do "impensado" ou do indivisível em particular nestas ciências, na versão magrebina ou árabe-muçulmana, falando delas de diferentes maneiras. Filosoficamente, esteticamente e socio politicamente, este livro tem um alcance maior do que o atual, porque abre portas para práticas epistémicas baseadas numa geopolítica criativa do conhecimento, liberta do peso de horizontes heurísticos bloqueados ou importados. Uma das formas de Zinelabidine falar disto é a pluriversalização da Tunísia, pensada e vivida como um ‘espírito’, ‘Zeitgeist’ (o espírito do tempo), ‘presença no mundo’, etc., a ser (im)pensado. Este aspecto ‘pluriversal’ ou este ‘espírito’ ou a tunisianidade como 'presença no mundo' não nos parece ser abordado, em termos de ideias, pela intelectualidade do baixo mediterrâneo, por exemplo, interessada na antropologia filosófica, na epistemologia ‘descolonial’, na estética, na ética-política, percebidas e mobilizadas por Zinelabidine de um ponto de vista holístico acêntrico.”


As suas obras foram analisadas e elogiadas em numerosas universidades de todo o mundo pela sua audácia, veracidade e ressonância singular. O presente livro não foge ao espírito dos anteriores, com o objetivo de exprimir um pensamento complexo, mesmo labiríntico, por vezes confuso, emaranhado e enredado pelo percurso da cultura que lhe está subjacente, com vista a uma análise hermenêutica e maiêutica dos contextos geopolíticos, sociológicos, poéticos, cenestésicos, genéticos e filosóficos adjacentes. Para o autor, o Ocidente nunca deve esquecer que a tunisianidade deixou a sua marca na história universal, desde o que Cartago(s) e Cartagena(s) ofereceu ao mundo[2]. Basta olhar para o mapa ou apreciar "Didon e Enée", uma obra-prima da música barroca que dá um testemunho indelével sobre Cartago. Mas antes de Cartago, durante milhares de anos, houve os Aterianos de Nefta, durante 100.000 anos de história, os "Moustériens et l’Hermaion d’El Guettar", durante 40.000 anos, atualmente em exposição no Museu Nacional do Bardo, e também os Capsianos, para chegar a “Qart-Hadasht”, a "Nova Cidade" em fenício, cujo nome e ramificações são perenes em muitos continentes do mundo.


O décimo e último livro das duas colecções, "Correspondances Edward Saïd et Mohamed Zinelabidine", encerra um trabalho científico que hesita sobre os géneros, que se estende por mais de trinta anos de arte, de ensino superior e de pesquisa. Duas colecções de livros "Hypothesis", pontuada por "Trialogue Francis Fukuyama /Mohamed Zinelabidine/ Samuel Huntington", que antecipa já o futuro, e trata, nas sete obras expostas, de um “impensado” em termos filosóficos, sociológicos, poéticos, políticos, genéticos e cenestésicos, para questionar o incompreendido na relação ocidental-árabe e, mais genericamente, na relação ocidental-oriental, tanto histórica como civilizacional. Como construir uma ponte convincente, quando há convicções que não podemos ignorar? Este livro, o terceiro de uma série sobre o tema “Interlocuções André Malraux/ Mohamed Zinelabidine/ Edward Saïd”, dedicada a Geneviève Clancy e Manfred Kelkel. Filósofa e poeta francesa, Geneviève Clancy, discípula de Gilles Deleuze, que tive o prazer de conviver e apreciar as suas obras, iluminadas por uma erudição impressionante e um humanismo fulgurante. Também me correspondi com Manfred Kelkel sobre o tema da mediação, sobre a ponte de convergência entre o mundo das ideias e o mundo da sensibilidade. Aluno de Darius Milhaud, admirador de Berlioz, apaixonado pelas civilizações orientais e pela cultura árabe, historiador da música e compositor alemão de renome, autor de obras de referência sobre Scriabin e o esoterismo, Manfred Kelkel desempenhou um papel fundamental na emergência de uma geração de académicos e investigadores orientais cujas teses orientou na Sorbonne. Geneviève Clancy, por seu lado, presidiu ao Centro de Investigação sobre as Artes do Islão na Universidade Paris-Vincennes. Ambos encarnavam simplesmente a abertura, a inteligência, a benevolência e a curiosidade pelas culturas do mundo, sem preconceitos nem presunções. Fazem-me lembrar os escritores, artistas, académicos e intelectuais que tanto fizeram para promover um Oriente e um Ocidente em paz, sem complexos, respeitadores uns dos outros, admiravelmente construtivos, extraordinariamente pacíficos, com qualidades matizadas e coloridas. Entre eles, René Passeron, Evelyne Andréani, Eliane Chiron, Costin Miereanu, Jacques Chailley, Edith Lecourt, Caroline Moricot, Françoise Brunel, François de Bernard, Gérard Pelé, Richard Conte, Jean-Paul Olive, Jean-Yves Bosseur, Jean-Marc Chouvel, Yvonne Flour, Serge Gut, Edith Wéber, Danièle Pistone, Nicolas Méeus, Louis Jambou, Joël Heuillon, Sylvie Bouissou, Jean Digne, Ludivine Allègue, Jean-Paul Minvielle, Jean-Claude Chabrier, Jean-Jacques Velly, Louis Jambou, Xavier Hasher, e muitos mais... Este livro é uma homenagem à sua erudição, humildade e amizade ao longo de décadas, durante as quais nos uniu uma verdadeira amizade e, sobretudo, um destino comum na arte, na ciência e nas humanidades. Ao fazê-lo, este livro reconhece inegavelmente o seu engajamento num mundo de imaginação plural e do ‘impensado’ reconstituído. Muitas vezes fui cativado pela sua capacidade de ouvir, de trabalhar em conjunto e de prestar atenção aos pormenores, e lembrei-me do trabalho edificante de muitos outros orientalistas sérios que deixaram a sua marca no próprio orientalismo, desde as obras de Alexandre Christianowitsch, Jules Rouanet, Gaëtan Delphin e Guin....

Este livro retoma hipóteses que me sensibilizam (re)verificar, e que já foram sublinhadas na filosofia, na sociologia, na socialidade, na poética, na geopolítica etc. Mas, para este trabalho, é o imaginário estético que me habita e que gostaria muito de evocar, nas enunciações de vozes homofónicas e de tempos poéticos, todos os componentes juntos, em busca de um Oriente latente, soterrado, aliás, exaltado e sublimatório. Desde o início, parece incontornável que a abordagem transdisciplinar deve presidir ao destino de tais escritos, nas suas transfigurações hermenêuticas e paradigmáticas, para as quais forjará o instrumento, orientará o sentido e elaborará o símbolo. Mas, ao revisitar esta perene e recorrente questão: “Quem sou eu?”, já não foi em vão reinvestir estas poucas cidadelas de outrora, senão, através do conhecimento artístico e literário, as de um inextricável Oriente, embora esta abordagem não tenha de sofrer do inevitável desfasamento entre os contextos históricos e os elementos veiculares das respectivas linguagens. “Quem sou eu e o que me define?” ou devo definir-me eu, que aprendi a combinar os extremos, a dar coerência ao improvável e a encontrar sentido na confusão. Tunisiano que sou, os meus antepassados foram os cartagineses, a África romana num “Mare Nostrum” em guerra, e os vestígios arqueológicos testemunham essa grande cidade que se tornou a capital do Ocidente muçulmano no século VII, mais precisamente em Kairouan, seguida de Mahdia, capital dos Fatimidas, no século X, Tunes, capital dos Hafsidas, a partir do século XIII, sem esquecer todas as confluências que esta terra sofreu, tanto orientais como ocidentais, desde o século XVI até ao protetorado francês em 1881. Partindo desta pergunta permanente que me invade, o que é que especifica uma identidade, ou mesmo uma personalidade cultural para um indivíduo e um país, senão a utilização da história para os definir? O arabismo, para uns, o Islam, para outros, o Oriente histórico e plural, são realidades relativas, tão cheias de nuances e de diferenças. O que os coloca em questão é, aliás, o curso de uma história que os mostrou e os escondeu, os carregou e os libertou, além deste problema subjacente de identidade transformadora que faz de sua referência a línguas ou religiões personalidades removíveis, em perpétua mudança, em vez de identidades inabaláveis, até mesmo fixas. São questões que se colocam e se impõem pelos caprichos dos tempos históricos, entre evolução, revolução e involução. O arabismo, o islamismo e o Oriente plural face ao ocidentalismo são paradigmas que existem, aos olhos de quem os representa à sua maneira, correndo o risco de uma real ou suposta ignorância da metalinguagem, com os seus significados ambíguos e equívocos, que gostariam de lhes atribuir nomes, insígnias, promessas ou cobranças, em torno de todo o tipo de obscurantismos, extremismos, fatalismos, fanatismos, passadismos, incapazes de abraçar, nem que seja por tentativa ou determinação, um mundo ocidental em evolução, de uma certa racionalidade, modernidade, pós-modernidade ou hipermodernidade, de forma irreversível, irredutível, insubmergível. Não pretendo aqui escamotear estas realidades, verificáveis de tempos em tempos, ou conscientemente exageradas, no decurso de uma história a contrassenso, na medida em que é justificável, relativa ou parcialmente, será concebível que a façamos com tanta certeza e afirmação? O objetivo deste livro é olhar para outro lado, deixar ressoar o saber enciclopédico do Oriente e dos orientalistas, na fonte das confluências e das interações entre orientalismo e ocidentalismo, apesar dos equívocos que muitas vezes caracterizou a compreensão destes mundos sob o jugo da geopolítica. Ao mesmo tempo, que desafio inextricável e perigoso é querer desembaraçá-los, estando muitas vezes em conflito, e escolher, para o fazer, enveredar pelas letras e artes orientais, de um ponto de vista orientalista, para aí desenterrar um sentido de existência e de interpretação! Assim, este livro, que trata do orientalismo e do Oriente em geral de um ponto de vista histórico, escolhe ir à encruzilhada de um silêncio enterrado nos caracteres de uma filosofia analítica apaixonada pelo “impensado”. E como valor de referência, um Oriente-Ocidente plural, sob a sua bandeira imaginária e simbólica, desde então. Mas este livro não está menos preocupado em tentar responder aos factos históricos referidos, incluindo o modo como os orientalistas os têm olhado, para contrariar as injustas discrepâncias do conservadorismo e do hermetismo, de todos os lados, relativamente à prática das artes e à preponderância dos seus fundamentos teóricos e conceptuais em sociedades que as obscureceram ou desprezaram. E por mais tentações de desvio que tenhamos, parece inelutável o extraordinário desafio de nos orientarmos nesta cultura milenar, que alguns tentam qualificar de retrógrada, quando os estudos e as investigações a têm aproximado das fontes de um enciclopedismo interdisciplinar de raro conteúdo e beleza, na sua essência psicológica e filosófica textual, nos seus labirintos históricos, nas suas interferências e convergências entrelaçadas. Há razões para encontrar neste conceito de μουσική [mousikē][3] grego uma ligação com λογoς, logos, razão, conhecimento, antes do mundo antigo e de Pitágoras, do hedonismo ao ideal educativo, dos mitos em torno da lira e da flauta, mesmo em parte, alguns elementos de aproximação em torno de um Oriente imaginário e orientalista. A este respeito, há boas razões para afirmar a contradição nos factos históricos que nos são contados, e é esse o objetivo de nos aventurarmos. Como foi possível que esta arte se apoderasse de algumas cidadelas, uma das quais determinaria em grande parte a conquista das outras, através dos pitagóricos e da harmonia, de Damião de Atenas e da ética, de Platão, do seu quadrivium e da sua filosofia? É uma forma de nos convocar a refletir: o cristianismo medieval e o neoplatonismo, Santo Agostinho e “la scientia bene modulandi”, “la musica mundana”, depois os teóricos do Renascimento carolíngio, o desenvolvimento da pedagogia, sem esquecer a teoria e a polifonia. A sua filosofia suscita um verdadeiro paradoxo, e o debate sobre as novas abordagens da teoria secular continua a não suscitar dúvidas. Tanto mais que esta evolução das formas não poupa esta arte nem as suas expressões e corolários. Encontraremos, mais tarde, no Renascimento, o humanismo e as primeiras lutas contra a polifonia. O reformista, a partir dos seus avatares, será o fermento de uma clivagem artística e conceitual, tal como podemos ver também Zarlino e a nova linguagem, uma racionalidade que atuas de forma diferente a relação com a palavra falada. Galileu Galilei e a teoria das paixões, para chegar ao Barroco e à filosofia do Iluminismo, ao racionalismo cartesiano representado por Leibniz, conciliando sensibilidade e razão, à compreensão racionalista de Jean-Philippe Rameau e ao sentimentalismo do coração em Jean-Jacques Rousseau, bem como a Diderot. Comparativamente, e se nos colocássemos a questão do paradigma que contribuiu para a origem do Romantismo e dos seus poetas românticos, Hegel e a identidade entre sujeito e objeto, Schopenhauer, o inconsciente e a arte sonora como uma certa imagem do mundo, para chegarmos à tragédia na interface invertida entre Wagner e Nietzsche? Mais tarde, na análise da era do Positivismo, Hanslick definiu o belo, para chegar à rutura estética e à crise da linguagem no século XX, Schönberg e a dodecafonia, a poética das vanguardas e o irracionalismo, na abordagem pretendida por Enrico Fubini. Por muito tentador que seja explicar estas grandes orientações artísticas, filosóficas e estéticas, na realidade elas não são mais do que as ideias motrizes de uma viagem muito mais longa e labiríntica, tão rica quanto hipotética.


Ora, se compararmos estes movimentos do espírito e do génio ocidentais, temos de admitir que o mesmo não aconteceu com o mundo árabe e muçulmano desde o século XV e a queda de Granada em 1492, apesar de ter representado uma revolução cultural no seu apogeu glorioso, do século VIII ao XV. Tudo isto me leva à ideia de que este livro hesita realmente quanto aos géneros, a ponto de recorrer, ao mesmo tempo, ao que sempre me perseguiu: as sucessões e rupturas da história, os progressos e os arrependimentos, as evoluções e as involuções, as mutações e as mudanças, tanto culturais como artísticas. Porque para além do problema da linguagem, há a questão do seu alcance científico, do seu reconhecimento, do seu estatuto. No entanto, até hoje, parece inevitável e é preciso acreditar que, apesar de suas vertentes analíticas, históricas, humanistas, sistêmicas, organológicas, filosóficas e linguísticas, a cultura árabe não escapa, como é o caso da cultura ocidental, não é imune a esta observação de Régine Pietra: “... A música foi entendida ora como uma ciência preocupada com as matemáticas, os números e a combinatória, e, portanto, com o inteligível, ora como uma arte, um meio de exprimir o sensível”. Estes dois grandes eixos atravessam toda a história da música, e por vezes um predomina, outras vezes o outro, embora não se excluam mutuamente. Por outras palavras, por vezes a música é concebida como uma arte formal, um arranjo que apela ao intelecto, quer reproduza uma ordem matemática que é a do cosmos - como na filosofia antiga e em Pitágoras em particular, o primeiro filósofo a falar de música - quer esteja em harmonia com a Natureza, que é a harmonia matemática - como no caso de um músico-teórico como Rameau no século XVIII (referir-me-ei aqui aos trabalhos de C. Kintzler, Jean-Philippe Rameau, “Splendeur et naufrage de l'esthétique du plaisir à l'âge classique”, Minerve, 1988) ou se obedece a regras estritas de construção formal como no caso de Édouard Hanslick (Cf. “Du beau dans la musique”, Bourgois, 1986); por vezes, pelo contrário, é concebida como uma arte expressiva, que remete para o sentimento, capaz de despertar paixões violentas ou bélicas ou de as acalmar, de levar à embriaguez ou de suavizar a moral: alguns ecos desta posição podem ser encontrados em Platão, mas sobretudo em Rousseau, adversário declarado de Rameau, e também em Nietzsche. “Neste sentido, concorda com Enrico Fubini no seu livro ‘Les philosophes et la musique’:

"De todas as artes, a música é também aquela que contém os aspectos mais diversos e suscita as questões mais numerosas, apresentando-se como um prisma no qual as formas vistas diferem radicalmente consoante a posição de cada um. De facto, ao longo dos tempos, os filósofos não foram os únicos a ceder à sua atração. Desde a Antiguidade grega, todas as categorias de intelectuais se interessaram pelo mundo da música. Políticos, filósofos, matemáticos, astrónomos, escritores, poetas e dramaturgos, místicos e pedagogos deixaram-nos o seu pensamento sobre esta arte do som, precisamente porque encontraram nela um complexo de elementos diversos cujo ponto de unidade e de convergência se encontrava, no entanto, no mundo do som." 

Assim, entre os momentos que pontuaram a história, e apesar dos diferentes contextos culturais históricos e geográficos, a música árabe e a sua musicologia sempre se inspiraram na história das confluências civilizacionais, incluindo a mitologia grega que consagrou Orfeu e a sua lira, inspiração para obras de Monteverdi, Rossi, Gluck, Darius Milhaud, Stravinsky, sem esquecer também Amphion. Segundo Régine Pietra,

"os seus discípulos ficaram espantados quando ele lhes contou que tinha tido vários sonhos em que lhe era dito para fazer música. Até então, ele pensava que a filosofia era a forma mais elevada de música e interpretou esse sonho como um incentivo para fazer precisamente aquilo que estava a fazer, ou seja, filosofia".

O mesmo se aplica a esses elementos, em sua singularidade respectiva, que darão origem a numerosas convergências cuja historicidade Enrico Fubini retomará, antes de Pitágoras, nos poemas homéricos da Ilíada e da Odisseia, os termos e as funções podiam lembrar seus poderes sobre o ser humano, e o músico era um profissional cuja tarefa era distrair e alegrar os senhores. “O citarista homérico não pratica nenhuma arte religiosa, não tem poderes mágicos e não se apresenta como curandeiro: no reino de Ítaca, assim como no de Alcinoo, Fémio e Democodo.” Veremos como estes tratados foram meticulosamente lidos, traduzidos e comentados pelos filósofos árabes e orientais a partir do século IX, o mito e os sonhos acompanhando a arte das musas de Platão, a arte da ambivalência, a arte da sedução, a arte que pode conduzir ao mal, mas cuja virtude pode ser o bem, a educação, centrando-se na binaridade entre estética e ética, o belo e o bem. “Mas Platão não esqueceu a lição dos seus mestres pitagóricos (Damon), para quem a música é ordem, harmonia matemática. A música governa o cosmos - há uma música das esferas - e o equilíbrio do homem”.  Estas ideias antigas tiveram uma forte influência nos escritos filosóficos árabes, contribuindo para regenerar o sentido da arte, da literatura e do pensamento em torno da música.  E é aqui que chego a Edward Saïd, às suas exclamações filosóficas, às suas críticas ao orientalismo e ao seu fervor pela música, pois a ideia que perpassa as minhas hipóteses é a de interrogar este legado grego, as suas semelhanças e dessemelhanças, as suas convergências e divergências, as suas influências e confluências, à luz da cultura oriental inspirada, na altura, pelo arabismo e pelo Islam civilizacional, a partir do século VII.  É por isso que este livro, assumindo que levanta alguns paradoxos, é um manifesto por uma inteligência comum, tentando encontrar na história das humanidades e das comunidades elos que se reconstituíram, em vez de rupturas comprovadas. Gostaria que se tornasse uma elegia, do grego, um elogio ao humanismo, à arte, à ciência, à literatura e à poesia sonora, sublimada pela música e pelos músicos. Gostaria que esta obra reunisse os significados das expressões filosóficas, acaso e vontade, e que trouxesse um elogio ao espírito da “confluentia”, em latim, uma confluência à moda antiga para este Oriente plural, tal como foi a partir do século XIII. Uma elegia que fez do "Ser" uma letra filosófica, do grego antigo φιλοσοφία: φιλεῖν que significa amor, σοφία (sofia), que significa sabedoria, conhecimento. Uma filosofia não sem a sua letra estética, do grego αίσθησιs, “aisthesis” que significa belo e sensação. E uma poiética, ποίησις “poíēsis”, génese e criação. Todos estes portos foram reunidos e enunciados em conjunto, por intermédio dos mundos oriental e ocidental, reunidos, desde então, nas artes, nas ciências greco-árabes e no peripatetismo. Esta obra precisa ter uma única alma para caminhar para o grande objetivo de reconhecer o que liga e une os seres humanos, a partir da sua própria singularidade, seja ela linguística, religiosa ou cultural. Uma só alma que caminhe para o grande objetivo de denunciar todas as discriminações culturais e a omissão deliberada e abusiva de histórias únicas.


 

 

[1] Janus é o deus romano dos começos e fins, das escolhas, da passagem e das portas. E é denominado “bifrons”, porque tem duas faces. Isso significa que ele conseguia ver tanto para a frente quanto para trás, conhecendo tanto o passado e o futuro. (Nota de T.)

[2] Desde a antiguidade, em 814 a.C., foi a atual Tunísia que deu origem a Cartago e Cartagena, que se expandiram pelo mundo... É a primeira república citada por Aristóteles em seu livro. Uma civilização que foi importante e se espalhou muito, inclusive pela Europa atual. (Nota do Autor)

[3] O termo mousikê, tal como é retratado nos dicionários, significa o que concerne a arte das musas, que se caracteriza pela combinação de elementos sonoros que são percebidos pela audição, à poesia e as artes. Este conceito remete também à educação literária e artística. (Nota de T.)

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